Há algum tempo tenho realizado mentorias individuais de líderes como uma forma de dar suporte e potencializar o seu desenvolvimento em time. No Grupo Bridge acreditamos no desenvolvimento integral do ser humano, onde a saúde se dá pelo equilíbrio dos nossos eixos físico, mental, emocional, relacional e transcendental. Dessa forma, as mentorias acontecem com o objetivo de auxiliar esses líderes a identificarem desequilíbrios e a pensarmos juntos como equalizar a produção e o gasto da sua energia para que essa conta feche no final do dia.
É fácil imaginar que acompanhar a rotina de um time por si só já nos traria uma grande diversidade de experiências, mas em tempos de pandemia, essa questão se amplificou e criou situações interessantes. Desde o início da pandemia o time que tenho acompanhado já passou por troca de liderança e mudança no escopo de atuação da área, além de conflitos de carreira, surto das mães e dos times de diretos, entrada de novos membros e saída de antigos. Tudo isso em pouco mais de 2 meses. É o famoso “tudo ao mesmo tempo aqui e agora”!
Adoraria explorar cada uma dessas situações, pois todas são relevantes e impactam sobremaneira o desempenho do time, mas por hora, vou me ater a troca de liderança para que possamos olhar com mais detalhes esse evento. A pergunta que disparou minha reflexão e, consequentemente, esse texto foi: Como será entrar em uma nova companhia e assumir um novo time em meio a pandemia do COVID-19?
Estou acostumado a conduzir eventos de assimilação de novos líderes ou, como chamamos no Grupo Bridge, Transição de Liderança. Estima-se em cerca de 6 meses o ponto de equilíbrio onde o valor/recursos da organização consumidos para integração do novo líder se equiparam ao valor produzido por ele ou ela.
Esse trabalho tem como objetivo auxiliar os novos líderes em seu processo de adaptação diminuindo o seu tempo e potencializando a entrega de resultados. Em paralelo, muitas ações devem ocorrer para sustentar esses resultados ao longo do tempo. Essas ações devem sustentar, no mínimo, uma agenda que permita ao novo líder obter informações estratégicas sobre o negócio, construir conexões com os principais stakeholders, realizar um bom alinhamento de expectativas e facilitar sua adaptação cultural.
Obter informações sobre o negócio envolve investigar o passado da cia., como por exemplo, se os resultados foram atingidos, o que as pessoas pensam sobre esses resultados, se eram adequados às ambições da cia., quais foram as referências ou benchmarks utilizados, que comportamentos encorajaram ou não o alcance dos resultados e o que ocorreu caso não tenham sido atingidos, a performance e a relação dos times com esses resultados.
Imagino que seria útil neste momento explorarmos cada um desses desafios para entendermos como os efeitos da pandemia podem afetar a integração desse novo líder.
Informações estratégicas sobre o negócio
Conhecer o negócio certamente envolve investigar também o presente através dos objetivos e estratégias definidas, processos e seus principais indicadores. Sobre o futuro vale olhar em que áreas a organização enfrenta seus maiores desafios, bem como onde se encontram suas maiores oportunidades. Em tempos “normais” conhecer o negócio já seria uma árdua tarefa que exigiria muitas horas de dedicação. Quem dirá em tempos de pandemia!
Com o mercado e os indicadores impactados, seja para cima ou para baixo, é difícil construir uma clara visão sobre o negócio. O momento pede por muitas transformações e olhar para trás não necessariamente ajudará a construir o futuro. Perguntar para os mais experientes? Poucos ou, arrisco dizer, ninguém tem hoje respostas assertivas sobre o futuro. Então o que fazer para se apropriar do negócio diante desse cenário?
Além das investigações mencionadas, eu diria que praticamente toda empresa deve ter formado um comitê de crise para a tomada de decisões estratégicas ao longo da pandemia. Esse comitê detém as principais informações sobre o mercado e a empresa e deve estar trabalhando para processar todas as informações necessárias ao negócio. Minha sugestão para essa nova liderança seria procurar um ou mais integrantes do comitê e tentar entender o momento do negócio, bem como as motivações para as decisões tomadas. Essa ação deve trazer ao novo líder uma ampla e atual visão do negócio, bem como os principais direcionadores para um futuro próximo, o que o ajudará em sua gestão.
A dica anterior certamente ajudará na seguinte:
Construir conexões com os principais stakeholders.
O esperado aqui seria identificar as pessoas com maior influência na organização e buscar construir alianças. A influência pode ser resultante de um alto grau de especialização no negócio como um todo ou em parte dele, do controle de determinadas informações-chave, da conexão com pessoas importantes dentro e fora da organização, do acesso aos recursos, como orçamento e premiações ou de lealdade pessoal.
Um cuidadoso mapeamento pode ajudar a identificar quem seriam as pessoas das quais deveria se aproximar. Incluiria também um passo além da identificação das pessoas, que seria a relação entre elas. Em um ambiente organizacional é natural que se formem alianças, seja por afinidade ou por interesses. Identificar essas alianças pode ajudar a acelerar o acesso à informação, tomada de decisão e ajudar na entrega dos resultados ou simplesmente evitar problemas.
O que muda com a pandemia? O que imagino acontecer é que essas pessoas chave não estejam tão disponíveis nesse momento, o que dificultaria a aproximação. Outro ponto seria o fato de não ser possível “captar” determinados sinais que só seriam percebidos no dia a dia da empresa. As alianças também devem estar sofrendo transformações em função de outros interesses surgidos nesse período, o que também dificultaria uma leitura mais clara e precisa do cenário. Enfim, o contato inicial com os Stakeholders pode ficar prejudicado nesse momento, podendo criar dificuldades adicionais ao processo de integração do novo líder.
Alinhamento de expectativas
O próximo item da agenda de integração deveria proporcionar ao novo líder a oportunidade de alinhar as principais expectativas dos seus interlocutores em relação ao seu papel/função. Seria adequado considerar um olhar 360º, que incluísse superior(es), pares, clientes/fornecedores (internos e externos) e, finalmente seu time.
Todos esses stakeholders são importantes para o sucesso do novo líder na organização, mas gostaria de dedicar mais atenção ao time. O alinhamento adequado com o time deve garantir um ambiente adequado para a integração, além de permitir ter uma noção mais realista de situação da área, nas relações internas e com outras áreas. A fim de começar com o pé direito com o time, deve-se evitar alguns erros comuns com relação ao time:
- Criticar a gestão anterior, manter o time na sua configuração atual por um tempo desnecessariamente longo demais;
- Não balancear estabilidade e mudança;
- Não trabalhar no alinhamento e desenvolvimento do time em paralelo;
- Não reter os bons profissionais;
- Realizar um Team Building antes do núcleo do time estar devidamente estabelecido.
Outra ação importante no que diz respeito ao time é sua avaliação inicial. Sugere-se tomar como critério ao menos: competência técnica, capacidade de julgamento e tomada de decisão, além de energia, foco e rede de contatos (networking). No entanto, neste momento de quarentena a equipe está submetida a uma condição adversa e qualquer julgamento pode conter uma grande margem de erro.
Estabelecer conversas individuais a fim de conhecer a realidade de cada pessoa, como tem balanceado questões pessoais/familiares e de saúde com as entregas, é estabelecer uma escuta empática e cuidar das condições para que o time tenha o máximo desempenho possível no momento.
Há uma situação muito delicada aqui, pois equilibrar as entregas de forma a garantir resultados em um ano onde muitas empresas ficaram em uma situação financeira delicada e garantir o bem-estar dos colaboradores parece ser uma equação que, aparentemente, não tem fechado. Entendo que a chave aqui deveria ser o diálogo e o trabalho em equipe, onde o ambiente deve permitir relações de confiança que estimulem a ajuda mútua e a cobertura dos colegas que estejam passando por problemas mais críticos nesse momento.
Algumas outras dicas para a gestão virtual nesse momento seriam: Estabeleça normas claras de comunicação, defina claramente os papeis de suporte, crie um ritmo para a interação do time e não esqueça de celebrar o sucesso. O contato pessoal ainda é fundamental e nunca deixará de ser, então quando todo essa situação permitir, juntem a turma e celebrem a vida!!!
Fechando a agenda de integração, há ainda o desafio da adaptação cultural. Entender os diversos níveis de cultura da nova organização ou da nova área/divisão, tais como valores e crenças fundamentais, normas e padrões de comportamentos, símbolos e linguagem é fundamental para uma rápida e eficiente adaptação.
Os efeitos da pandemia certamente afetaram as culturas de forma que a esmagadora maioria das empresas foram forçadas a realizar algum tipo de mudança em seu modo de atuação, seja internamente, externamente ou em ambos os casos.
Nesse sentido, reconhecer a cultura de uma organização em meio a pandemia pode não ser uma tarefa fácil e tampouco precisa. Mas, se pensarmos que essa mesma pandemia tem forçado as organizações a tomarem decisões difíceis que tem colocado à prova seus valores mais fundamentais, este será sim um ótimo momento para saber onde você está entrando, ou ao menos, quem são as pessoas com quem está ou irá se relacionar.
Portando, uma análise mais profunda de como a sua nova organização, divisão ou área tem lidado com a pandemia supre, ainda que em partes, as informações necessárias para este aspecto da integração do novo líder. Claro, investigar outros momentos onde outras decisões importantes tiveram que ser tomadas continua a ser necessário.
Por fim, por mais difícil que possa ser o momento que estamos vivendo, é possível realizar uma integração que supra as informações necessárias para que essa nova liderança possa buscar seus objetivos e entregar os resultados acordados. Buscar obter informações estratégicas sobre o negócio, construir conexões com os principais stakeholders, realizar um bom alinhamento de expectativas e facilitar sua adaptação cultural continuam a ser fundamentais em qualquer processo de integração, em qualquer tempo.
Além disso, ajudam o novo líder a evitar o círculo vicioso das transições: aprendizagem inadequada, más decisões, perda da credibilidade, resistência, amplificado pela falta de alianças de apoio e relações não efetivas e saída.
Espero que possamos sobreviver a esse momento tão difícil com saúde física e mental e que, assim que possível, voltemos a tocar nossas vidas da forma como gostaríamos.