Foram muitas as transformações vivenciadas pela área de RH nas últimas décadas para que deixasse de ser o “Departamento Pessoal”, onde basicamente se tratavam as questões burocráticas ou legais relativas às pessoas, para se tornar o “RH Estratégico”. Aquele que se coloca como parceiro do negócio, influenciando importantes decisões nas organizações. É fato que ainda temos muitos RHs que ainda vivem intensamente seu processo de transformação e se colocam em algum lugar entre esses dois polos, o ‘meramente burocrático’ e o altamente estratégico.
Colocar-se como parceiro do negócio exige uma postura diferente do especialista em pessoas. É necessário se debruçar sobre novos conhecimentos, saindo da sua zona de conforto para aprender efetivamente sobre o negócio e sua dinâmica própria, tendo condições de identificar e refletir sobre como as pessoas influenciam o negócio e como o negócio influencia as pessoas.
Uma vez apropriado do negócio, é esperado que o RH se sente à mesa de discussões e tenha, de fato, decisões para contribuir. Daí surge um outro desafio: a exposição. Aqui, é necessário superar o medo e assumir os riscos de fazer sugestões e recomendações que nem sempre vão ao encontro do que o cliente interno ou o parceiro gostariam de ouvir, mas que de fato necessitam!
Outro movimento relevante e que ocupa sobremaneira a agenda dos RHs é sua relação com os Líderes. Neste exato momento vive-se um forte movimento de humanização das relações nas organizações, fruto de um novo e crescente modo de pensar, mais horizontalizado e que valoriza o indivíduo de forma integral, deixando as relações de poder em um segundo plano.
Os líderes são protagonistas nessa agenda, mas, nem sempre têm clareza ou disponibilidade emocional para cumpri-la. Percebe-se, então, que as habilidades e o ambiente organizacional necessários para a consolidação desse movimento ainda estão em franco desenvolvimento, e têm no RH uma referência, um farol que indique para onde se dever ir
Novamente, surge outro desafio: não ter todas as respostas!
Acostumado a ser o especialista, a ser a área do subjetivo e das sutilezas, agora o RH precisa suportar uma jornada de autoconhecimento e transformação pessoal para que possa dar conta do que se espera dele. Ao mesmo tempo, as exigências do negócio ficam cada vez mais rigorosas e a busca por alta performance mais intensa.
Lidar com essa complexidade tem exigido um nível de expertise do RH, que não está necessariamente disponível, e ter que assumir o desconhecimento e lidar um processo de coconstrução pode ser um grande desafio emocional. Sem contar com as “sementes que não germinam” no tempo e, ou, da forma que se espera, e que precisarão ser suportadas ao longo de suas jornadas pessoais.
Como se já não bastasse, há ainda as transformações sociais que têm forte impacto na saúde mental das pessoas, tais como a pandemia ou as crises econômicas que carregam para dentro das organizações novas demandas, e que precisam de novas respostas, novamente, nem sempre prontamente disponíveis. Aqui, resta ao RH o constante desafio de se reinventar e procurar entender o social para suportar o indivíduo, ou ainda, preparar os líderes para fazê-lo.
Esses são apenas alguns exemplos dos desafios comuns a qualquer área de RH que se propõe a ser estratégica e colocar as pessoas no centro de suas ações!
Tudo isso tem um preço emocional a ser pago e que, para muitos, não é baixo. Manter um alto nível de disponibilidade, otimismo e acolhimento, mesmo que esses elementos não sejam genuínos, é o que se chama de Trabalho Emocional. Ou seja, Trabalho Emocional pode ser entendido como o “Ato de tentar modificar em intensidade ou qualidade uma emoção para atender às regras organizacionais e ocupacionais (Hochshild)” ou a “Expressão de afeto inautêntico que é definido e controlado para cumprir normas e regras organizacionais (Miller, Considine e Garner).”
Resumindo, o Trabalho Emocional é um claro e poderoso esforço em controlar a forma como os colaboradores se apresentam para o trabalho. Se os sentimentos autênticos estiverem muito dissonantes dos apresentados pode caracterizar uma nova forma de alienação e trazer sérias consequências à saúde mental e a experiência de trabalho.
Daí surge uma recorrente pergunta: O RH precisa cuidar de todos, mas quem cuida do RH?
Neste caso, não há apenas uma resposta certeira que resolva a questão, mas um conjunto de práticas e iniciativas que podem ajudar. Penso que algumas possibilidades sejam:
– Autogerenciamento das Emoções: estudos apontam que é possível saber usar os próprios recursos cognitivos (principalmente o pensamento) para alterar o próprio estado afetivo, ou seja, cognição e afetos estão fortemente entrelaçados. Desenvolver habilidades que permitam realizar essa mudança de pensamento e consequente mudança estado afetivo pode ser uma opção no autogerenciamento das emoções. É possível adquirir essas habilidades através de treinamentos específicos ou psicoterapia;
– Compartilhamento social: Poder contar com um espaço para compartilhar as próprias dores e ouvir as experiências e aprendizados de outros pode ser uma importante estratégia na manutenção da saúde mental;
– “Novas Regras” de expressão emocional: Vamos entender aqui “regras” não como algo rígido ou que obrigue as pessoas a fazerem algo que não estão à vontade, mas, falo principalmente de uma cultura que permita e acolha a expressão emocional sem que isso seja mal visto ou fragilize aquele de decidiu falar o que sente. Estas novas “regras” seriam uma demonstração clara de suporte da organização, em termos de cuidado com as pessoas, e um olhar interessado para suas próprias questões que – eventualmente – precisem ser tratadas;
– Um RH para o próprio RH: Um outro ponto que indica um movimento claro da organização no cuidado de quem está diretamente envolvido com o cuidado das pessoas seria um RH para o próprio RH. Na prática, esse RH deveria zelar por criar espaços de escuta e desenvolvimento pessoal, além de manter um olhar alerta para as dores presentes, contribuindo para uma transformação das práticas disfuncionais e que contribuam para a ruptura do status-quo.
Daí você pode perguntar: mas quem cuida do RH que cuida do RH? Daí voltamos ao início do texto e o ciclo se repete. Não é apenas um sendo cuidado pelo outro, mas trata-se de um sistema que se suporta e dá abertura para novas conexões, mais saudáveis, que possam ajudar a repensar continuamente o modo como as coisas são feitas dentro das organizações.
Por fim, não acredito em uma única e mágica solução, mas, por mais que tenhamos todo um suporte para acolher as dores de quem cuida de gente, sempre haverá uma parcela que caberá no processo de autodesenvolvimento, e autogerenciamento das emoções, do indivíduo que escolheu o RH como atividade.
Faz parte do jogo!
A questão aqui é: Não é preciso fazer isso sozinho!